Que somos nós afinal?

Capítulo 23

 

 Processando o egoísmo

 

 O comportamento humano estrutura-se e desenvolve-se em três pilares fundamentais: a genética, a educação e a influência que recebe o seu inconsciente social e coletivo.

Os três são importantes para o desenvolvimento intelectual e emocional, pelo que falhando ou sendo insuficiente qualquer um desses pilares, a pessoa corre o risco de desestruturação e erro.

Nesta combinação, temos como resultado a personalidade, que pode ser melhor ou pior de acordo com a salubridade destes três fatores.

A genética por si só não se educa, a educação sem as condições genéticas adequadas também não tem sucesso e por fim a influência boa ou má do meio envolvente depende da boa estruturação das duas condicionantes anteriores. 

No estudo do comportamento humano, duas personalidades se destacaram: Freud e Jung.

Freud separava o funcionamento da mente em consciente e inconsciente, enquanto Jung, seguindo a linha do seu antecessor, ia mais além, acrescentando o inconsciente individual e coletivo e os arquétipos como fenômenos intrínsecos em cada ser vivo.

A complexidade do ser é uma luta constante entre o Self profundo e o Ego superficial.

Desde a conceção à infância é o Self que prevalece, simbolizado na mãe da criança, mas quando esta se começa a autonomizar, a ter consciência de si, dá-se uma separação psicológica entre as duas e começa a florescer o ego no ser em crescimento.

A partir desta etapa os fundamentos da personalidade começam a destacar-se, sendo nesta fase a educação e a formação o fator fundamental para o desenvolvimento harmonioso do individuo.

Claro que como seres sociais vivendo em comunidade é inevitável o desenvolvimento do ego sofrendo todas as influencias do meio, individual e coletivo.

E aqui é o tudo ou nada, porque o crescimento não é uma fórmula matemática.

É assim, que em diversas situações, a educação pode não ter falhado, mas falhou a genética e se não foi a genética, pode ter sido o meio envolvente que estragou aquilo que tinha tudo para dar certo.

Por outro lado e noutras situações, observamos que a base de formação do individuo é deficiente ou insuficiente, por vezes até com uma genética aparentemente comprometida e no entanto formam-se personalidades fortes e promissoras.

A mente continua a ser um processo extremamente sofisticado e ainda pouco explicado. 

O ser humano, não é um molde que sai sempre bem.

Pode ter tudo certo e ficar errado e pode ter tudo errado e transformar-se, por fatores que desconhecemos ou não controlamos, numa personalidade bem estruturada.

Quando o ego entra em conflito com o eu profundo, há desequilíbrio emocional e o que aflora é o egoísta, que é todo aquele que coloca os seus interesses, opiniões, desejos, necessidades em primeiro lugar, em detrimento de tudo o resto.

Prevalecem neste tipo de pessoa, os instintos agressivos. O ego assume o comando, trazendo à superfície os conflitos de insegurança, de insatisfação, de morbidez, que são ainda as marcas dos períodos remotos da civilização, antes do surgimento das emoções superiores.

Quando é o ego a liderar, observamos no indivíduo a atitude vigilante, dominadora, numa luta contínua para se manter na posição conquistada e com medo de a perder.

Torna-se agressivo, exibindo qualidades que não possui, como forma de encobrir o seu complexo de inferioridade em relação a uma maior evolução intelectual e emocional.

Rodeia-se de direitos que legitimamente não merece e teme lhe sejam retirados, ao mesmo tempo que procura cumprir as suas obrigações.

O ego tem na sua génese a fraude, pois se veste de presunção, avareza, ciúme, desconfiança, censura aos demais, para dessa forma não chamar a atenção sobre sua verdadeira e doente natureza.

O egoísta mascara-se de gentileza para ocultar a mesquinhez do seu caráter, quando se promove e exibe qualidades que não tem, tornando-se ríspido sempre que não lhe é reconhecido o estatuto que julga possuir. Nessas condições, transforma-se em adversário violento e irracional. Quando desmascarado, mostra a sua verdadeira face ao fomentar a maledicência procurando dividir para melhor reinar.

Daí que os que assim procedem vivem numa inquietação, fruto da sua imaturidade espiritual e essa sua perturbação prejudica os demais, com as constantes queixas e enfermidades parasitas da agressividade ou da autopiedade.

Habitualmente nunca assumem a responsabilidade destes comportamentos, preferindo a vitimização para assim escaparem da responsabilidade que sempre é sua.

Incapazes de compreender a missão do ser humano e o sentido da sua existência terrena, fazem-se desentendidos essencialmente no que diz respeito ao seu insucesso, que atribuem sempre a terceiros.

O pensamento foi dado aos homens e mais elaborado ou mais rudimentar, o sentido de pensar exercita a inércia a que muitos preguiçosos se entregam para não procurar as respostas para o sentido da própria vida. 

Quando essa preguiça de refletir se junta com um ego insuflado, temos o déspota perigoso, mais ainda quando este se presta a ser a marionete de poderes de bastidores.

É este, um ser medíocre que amontoa tesouros, apenas pela sensação de ter e em geral não sabe bem como os usar, menos ainda partilhar, entendendo que o ouro que possui tem o tamanho que gostaria que tivesse.

Orgulhoso, cede com gosto à bajulação e aos aplausos dos demais como compensação das angústias existenciais.

Quer ter sempre mais, sem querer ser melhor.

 Exige um respeito que não merece, mas que lhe é dado pelo poder que detém.

É temido, mas não amado, um ser solitário que se esconde na sombra de quem julga ser, num engano escalando socialmente vícios que o dinheiro compra com abundância: drogas, sexo, álcool.

Perceção deturpada e patológica, quando se acha merecedor do que não semeou.

Isola-se em si mesmo e aí começa o processo de destruição ou de regeneração. E finalmente aí, resta a esperança reformuladora, porque o homem precisa chegar ao seu limite para acordar do desperdício que são muitas das vidas que vive.

O nosso egoísmo, vaidade, ganância e a maldade contra o semelhante, são obstáculos de que ainda não nos sabemos desviar e geradores das doenças de que não nos querermos curar.

Presente em todas as etapas da humanidade, amplamente instalado em todos os segmentos da sociedade, o egoísmo é uma doença perigosa, só combatida pela ética e pela moral difundidas pelas diversas doutrinas.

Necessita de terapia preventiva e tratamento persistente depois que se encontra instalado, numa permanente vigilância por conta dos seus inúmeros disfarces.

Mas tal como o espírito vai fazendo o seu caminho em direção aos objetivos essenciais da sua existência na terra, o egoísmo também se dilui pouco a pouco, cedendo lugar à solidariedade e às emoções mais elevadas.

A humildade vai surgindo naturalmente quando começa a compreender a grandeza da vida e que também ele, egoísta, pode cooperar na obra magnífica da Criação.

Enquanto se atormenta nas sensações do medo, da incerteza e das suspeitas, a prepotência alucina-o.

Porém, quando percebe que a sua segurança se encontra no ser e não no poder, nos valores internos e não nas aquisições de fora, passa lentamente para os comportamentos pacíficos e pacificadores.

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